Para Raquel Dodge existem fundamentos suficientes para a rescisão dos acordos de colaboração firmados pelos delatores em maio de 2017. A suspensão definitiva depende de decisão do STF.
Em documento encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (18), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reiterou o pedido para que seja homologada a rescisão dos acordos de colaboração premiada firmados pela Procuradoria-geral da República (PGR) com o empresário Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, sócio-proprietário e executivo do grupo J&F.
A PGR rescindiu os acordos em fevereiro, mas a rescisão definitiva depende de homologação do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.
Segundo a PGR, Wesley Batista e Francisco de Assis descumpriram termos do acordo de colaboração e “omitiram, de forma intencional, fatos criminosos dos quais eles já tinham conhecimento” quando fecharam o acordo com o Ministério Público Federal.
O advogado de Wesley, Eugênio Pacelli, disse que o pedido da PGR “não surpreendeu”. Segundo o advogado, a PGR “continua sem convicção nenhuma sobre a existência de ilícito penal nos fatos que narra”. A defesa de Francisco de Assis e Silva disse que ele não vai se manifestar sobre o pedido da PGR.
Em setembro do ano passado, a PGR também rescindiu os acordos de delação premiada de Joesley Batista, irmão de Wesley e um dos donos do grupo J&F, e de Ricardo Saud, um dos executivos do grupo.
Validade das provas
As provas colhidas, no entanto, são válidas, de acordo com a PGR, e demonstram o conhecimento dos delatores da suposta atuação ilícita do ex-procurador da República Marcello Miller. Segundo a PGR, o ex-procurador prestou “relevante assessoria ao grupo J&F para auxiliá-lo na concretização dos acordos de leniência e de colaboração premiada”.
No documento enviado ao Supremo, Raquel Dodge apresenta diversos trechos que identificam o auxílio do então procurador Marcelo Miller na condução da colaboração premiada e do acordo de leniência firmados com executivos da J&F. Miller, em sua defesa, afirma que nunca fez “jogo duplo” ou “agiu contra a lei”.
De acordo com a PGR, a análise de mensagens trocadas em grupo de WhatsApp no celular de Wesley Batista, apreendido na Operação Lama Asfáltica, demonstra que o ex-procurador da República era peça importante na condução da colaboração premiada.
A procuradora-geral afirma que, com isso, fica demonstrado que não procede a alegação da defesa de que Marcelo Miller “auxiliou os executivos do grupo J&F apenas quanto ao futuro acordo de leniência, não o fazendo quanto à colaboração premiada”.
Segundo Raquel Dodge, é preciso pesquisar a completa extensão do auxílio de Miller, “mas já se sabe que incluiu aconselhamentos acerca de estratégias de negociação e revisão do conteúdo dos anexos ao acordo de colaboração premiada, em uma espécie de consultoria efetiva e real”. Para execução desses serviços teriam pagos R$ 700 mil ao ex-procurador da República.
A defesa de Marcelo Miller informou que é “espantoso” que a Procuradora Geral da República trate do assunto com base em informações “truncadas e incompletas”.
“É inverídica e caluniosa a alegação de que solicitou ou recebeu valores de qualquer empresa, inclusive a J&F, por atividade preparatória, como pode ser apurado por todos os meios à disposição do MPF”, acrescentou, por meio de nota (leia a íntegra no final desta reportagem).
A defesa do ex-procurador diz ainda que sua atividade era preparatória e voltada para o acordo de leniência, “como também demonstrado por farta prova”. “Colaboração e leniência, quando tratadas conjuntamente, exigem coordenação, como reconhece e faz o próprio MPF”, concluiu.
Conduta desleal
Outro ponto destacado pela procuradora-geral no documento entregue ao STF, é o indício de cometimento de novos crimes por Wesley Batista mesmo após o acordo de colaboração ter sido fechado.
O empresário foi denunciado pelo Ministério Público Federal em São Paulo por “insider trading”, que consiste em lucrar no mercado financeiro utilizando informações privilegiadas, e manipulação de mercado.
Em relação a este crime, a PGR afirma que a conduta foi desleal com o MPF e contrária ao núcleo central dos acordos de colaboração premiada que devem se basear na confiança mútua e da boa-fé subjetiva e objetiva.
“Em vez de representar espaço de consciencialização e arrependimento a respeito dos crimes já praticados, o acordo de colaboração representou, aos olhos dos denunciados, oportunidade de lucro fácil, mediante o cometimento de novos crimes”, destaca o documento.
Raquel Dodge afirma, ainda, que não deve ser acolhida a tese de que a rescisão do acordo de delação somente pode ocorrer após finalizada a ação penal que tramita na 6ª Vara Criminal de São Paulo.
Segundo ela, “equivaleria a obrigar o MPF a manter acordo com pessoa que ele mesmo julga não confiável, e isso por um tempo indeterminado – já que, como se sabe, o trânsito em julgado em matéria penal apenas se dá após longos anos”.
Para Raquel Dodge, existem fundamentos suficientes para a rescisão dos acordos de colaboração premiada por inobservância dos princípios da lealdade e boa-fé.
Prisões
Em fevereiro deste ano, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu substituir a prisão preventiva dos irmãos Joesley e Wesley Batista por medidas cautelares.
Wesley deixou a prisão um dia após a decisão do STJ. Joesley seguiu preso por ter um segundo mandado de prisão contra ele. Em março, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília, decidiu mandar soltar Joesley Batista e Ricardo Saud, ex-executivo do grupo J&F.
Os irmãos Batista estão em liberdade, mas impedidos de trabalhar no grupo e de deixar o país, segundo a defesa de Joesley.
No início deste mês, a Justiça Federal de São Paulo revogou uma medida cautelar que proibia Wesley e Joesley de manter contato um com o outro.
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Joesley Batista (esq.) na saída da carceragem da PF em São Paulo, em fevereiro deste ano (Foto: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo)
Nota da defesa do ex-procurador Marcelo Miller
Leia abaixo a íntegra de nota divulgada pela defesa de Marcelo Miller:
A defesa de Marcello Miller esclarece que:
1) é espantoso que a Procuradora Geral da República trate do assunto com base em informações truncadas e incompletas;
2) é inverídica e caluniosa a alegação de que solicitou ou recebeu valores de qualquer empresa, inclusive a J&F, por atividade preparatória, como pode ser apurado por todos os meios à disposição do MPF;
3) sua atividade era preparatória e voltada para o acordo de leniência, como também demonstrado por farta prova;
4) colaboração e leniência, quando tratadas conjuntamente, exigem coordenação, como reconhece e faz o próprio MPF.
Com informações do G1, Brasília